Sempre gostei de viajar!
Desde pequena que os meus pais me incutiram esse gosto que depois se tornou um vício. Ao mesmo tempo, desde muito cedo, comecei a fazer voluntariado em Portugal, sempre com a esperança de que um dia chegaria o momento de fazer voluntariado fora do nosso país. Após algumas aventuras pela América do Sul tinha chegado o momento de partir para algum outro lugar, de preferência distante e para uma região afastada das rotas do turismo.
Aos 23 anos tinha um semestre sem disciplinas na universidade, ou seja, tinha tempo e tinha dinheiro, das vendas que fiz de tudo aquilo que não queria e que não me era útil. Com tempo e dinheiro rumei ao Quénia, mais concretamente para Kibera, onde iria passar 3 meses da minha vida a fazer voluntariado. Estávamos em Novembro de 2012 e eu não fazia ideia que a minha vida ia mudar para sempre.
Não sabia nada sobre o Quénia, nunca tinha pensado visitar o país e nem sabia onde ficava no mapa de África. Se não sabia nada sobre o Quénia muito menos sabia sobre Kibera. Depois de uma rápida pesquisa percebi que era mesmo aquilo e que ia ser uma experiência do caraças.
A vida em Kibera
É difícil descrever Kibera, ou pelo menos as minhas primeiras impressões sobre este local, visto que já se passaram 8 anos e desde então muita coisa mudou. Eu própria já a considero como sendo a minha casa. Kibera é considerada uma das maiores favelas do mundo onde vivem mais de 2 milhões de habitantes. Não sei se serão realmente 2 milhões mas que existem pessoas por todo o lado isso existem. Aqui não há água canalizada nem água potável. Não há qualquer espécie de saneamento nem recolha de lixo. A eletricidade, quando há, não chega a todas as casas. Kibera tem um cheiro nauseabundo característico e os problemas associados ao HIV, às violações e à violência doméstica estão presentes no dia a dia das pessoas que por aqui sobrevivem.
Nessa altura fui fazer voluntariado numa escola no coração de Kibera. Teoricamente tinha que dar aulas e ocupar os tempos livres de um grupo de 25 crianças que tinham entre os 3 e os 6 anos. A escola era muito pequena, só tínhamos uma sala de aulas e não havia materiais suficientes para as crianças todas aprenderem. A escola não tinha luz, claro. Nem água, nem casa de banho. As coisas não correram bem de início e eu sentia-me muito frustrada por não conseguir comunicar com as crianças, isto porque nem eu nem elas sabíamos falar inglês. Durante a minha experiência criei uma campanha de angariação de fundos, inicialmente para comprar galochas para os miúdos. Essa iniciativa permitiu não só comprar galochas mas comprar comida, material escolar e garantir a educação de 16 crianças no ano seguinte. Saí do Quénia com a sensação de missão cumprida e com a certeza de que não iria lá voltar.
Só quando regressei a Portugal tive noção da dimensão do que eu tinha realmente feito. E ao ver-me apoiada por imensas pessoas decidi regressar ao Quénia. Eu queria fazer mais por aquelas crianças. Nos anos seguintes andei entre o Quénia e Portugal. Uns meses cá, uns meses lá e entre ser ameaçada de morte e voltar a achar (mesmo) que nunca mais iria regressar aquele país, em 2015 liguei à minha mãe e disse-lhe que ia alugar uma casa e que ia ficar no Quénia.
Foi nessa altura que a From Kibera With Love ganhou “terreno” e eu percebi que era isto que queria fazer o resto da vida.
O papel da From Kibera with Love
Hoje em dia, apoio 69 crianças e jovens de Kibera, com idades compreendidas entre os 4 e os 21 anos. Garanto que todos têm acesso a educação qualificada, apoio médico, alimentação (3 refeições por dia) e que realizam atividades extra curriculares. Trabalho diretamente com as suas famílias e com as escolas de forma a garantir que todos têm as suas necessidades básicas suprimidas e que reúnem as condições necessárias para triunfarem, seja academicamente, seja no exercício de uma profissão para a qual manifestaram ter talento
Mas isto só é possível porque conto com o apoio de muitas pessoas. Como podem imaginar eu não consigo dar aulas, cozinhar, limpar as salas de aulas e realizar atividades com as crianças, tudo ao mesmo tempo. Conto com uma equipa de profissionais super dedicados, todos eles locais e que garantem diariamente que nada falta a nenhuma das crianças que apoiamos. Tenho uma equipa de voluntários em Portugal que trabalha diretamente comigo e que garante a estrutura (ainda que com uma dimensão pequena) da associação. Para além dessas pessoas temos voluntários espalhados por Portugal e por outros países que são fundamentais para angariar fundos e para divulgar o nosso trabalho. Também recebemos voluntários no Quénia, pessoas que, como eu, sempre tiveram o sonho de fazer voluntariado fora de Portugal e que dão o seu tempo, o seu conhecimento e o seu coração à nossa causa e a estas crianças. Para além de todas estas pessoas conto ainda com o apoio dos padrinhos, que são as pessoas que garantem que nada falta a estas crianças e que garantem a sua educação, alimentação , apoio médico e atividades todos os anos. Estou e estarei eternamente grata a todas as pessoas que de alguma forma já contribuíram ou contribuem para o sucesso destas crianças.
Eu sempre quis mudar o mundo e trabalhar em algo que me permitisse ser livre, como sempre fui. Ao criar o From Kibera With Love eu estava a criar o meu dream job e ao mesmo tempo a contribuir com a minha pequena mudança. Não só o daqueles que me rodeiam mas também o meu. Contudo, a minha relação com o Quénia não foi de amor à primeira vista, principalmente por todos os desafios e obstáculos que enfrentei e enfrento. Eu demorei mesmo muito tempo a perceber o quanto gostava deste país e destas pessoas. Certamente tempo demais. Por isso agora sinto uma necessidade enorme de trazer cá todas as (minhas) pessoas e todos aqueles que me são queridos. Sinto que quero mostrar todos os cantos, todos os sabores, todas as cores, todos os animais, todas as músicas e até mesmo todas as adversidades deste país ao mundo. E quero que todos vocês se apaixonem pelo Quénia, como eu me apaixonei (sem dar conta) um dia em Novembro de 2012 quando pisei Kibera pela primeira vez.
Brevemente, a líder da Landescape vai revelar o roteiro da sua viagem pelo país que lhe é querido, o Quénia, e nós sentimo-nos muito orgulhosos por fazer parte deste projeto maior.